Dez anos de Garfield

Dez anos de Garfield

Outubro de 2013, recordo-me que eu e a Paula vínhamos a regressar a casa com os meus filhos mais velhos, quando um gato amarelo se aproximou de nós vindo do nada.

Estava um daqueles Domingos de sol em que o Outono continua atrasado e o Verão continua a protelar com um late checkout. O gato veio ter connosco, tranquilo, como se nos conhecesse desde sempre. Nós achámos-lhe piada, até porque normalmente os gatos na rua têm tendência a fugir dos humanos, o que é compreensível perante uma Humanidade cada vez mais desumana, seja com pessoas, seja com animais. Como qualquer casal que não tem, nem pretende ter animais em casa, mantivemos aquela distância em que se tenta manter o equilíbrio entre não aproximar muito e não o fazer sentir rejeitado. Porém, logo nessa altura, começámos a chamar-lhe Garfield.

Felizmente, o nosso bairro é muito cat friendly, ninguém anda para aí a envenenar gatos, como acontecia no bairro onde o Sultão nascera, e muitas pessoas deixam comida para esses bichanos de rua. O Garfield circulava pelo bairro, mas curiosamente, era frequente encontrá-lo a dormir no tapete do rés-do-chão do nosso prédio. Eu via-o diariamente, cumprimentava-o e tratava-o sempre por Garfield. Acreditem, nunca me passou pela cabeça acolhê-lo, tal como dois anos antes, estupidamente, não acolhi logo o Sultão.

O Garfield andou aqui pela rua durante duas semanas, beneficiando do late checkout do Verão com o clima ameno. Ia comendo o que havia e ia-se safando bem.

No dia 23 de Outubro de 2013, o Verão fez finalmente o seu checkout para só voltar no ano seguinte. Os céus enevoaram-se, as nuvens aumentaram e traziam consigo as chuvas impacientes a reclamar o atraso de quem já deveria ter desembarcado há quase um mês. Nesse fim de tarde e noite, choveu um dilúvio, foi um temporal. São Pedro andava mesmo apertadinho.

Recordo-me perfeitamente dessa noite, a minha equipa tinha surpreendentemente (ou não) perdido o jogo para a Liga dos Campeões. Naquele temporal, a Paula perguntou-me se tinha visto o Garfield. Por acaso, nesse dia não o tinha visto. Que seria feito dele, naquele temporal? Fomos à janela e não o vimos. Eu desci à rua e fui espreitar, talvez ele estivesse por baixo das varandas onde costumavam deixar comida. Nada. Voltei para cima. O gato não era nosso, era apenas um gato que nos habituáramos a ver na rua e a interagir. Porém, estávamos verdadeiramente apreensivos com ele. Voltámos à janela. Subitamente, lá estava ele, sentado no chão, abrigado da chuva, diante da porta de uma garagem. Eu e a Paula olhámos um para o outro, não foi preciso dizer nada, é um defeito que temos, lemo-nos na perfeição. Voltei a vestir o casaco, desci as escadas e saí para a rua. A chuva parara, alguém lá em cima deve ter fechado a torneira dizendo “vai lá fazer o que já devias ter feito”. Caminhei até ao Garfield que me olhou sem se mexer. Disse-lhe “queres vir comigo?”. Ele levantou-se e caminhou comigo até casa. Não lhe peguei, não o obriguei a nada. Acho que ele, quando se levantou, deve ter pensado “bolas, finalmente, pá, estou aqui há duas semanas para te adoptar e só agora é que me vieste buscar”.

Desde essa noite, o Garfield vive connosco. É um companheiro. Aceitou lindamente a Safira quando ela veio cá para casa, quase um ano depois, e soube conviver com o Sultão, quando deixou de ser o único macho da casa. Já me pregou alguns sustos, já tem uma certa idade e eu recuso-me a pensar naquele dia em que voltarei a atravessar o Vale das Sombras pelo qual passei com a partida do Sultão. Os gatos para mim são família, são companheiros, são parte de mim.

Obrigado por estes dez anos, amigo! Sei que não terei outros dez contigo, mas continuarei a desfrutar de cada dia que o futuro nos dê em conjunto.

Parabéns Garfield, este é o teu dia. E obrigado por nos teres adoptado!